Saúde Mental – segundo a
Organização Mundial de Saúde é mais que a ausência de doença, uma vez que a
saúde mental somente é alcançada, mesmo que parcialmente, com a presença dos
determinantes das boas condições de saúde. Esses determinantes podem ser
definidos, em apertada síntese, como aqueles bens econômicos e sócio-culturais
que formam as várias dimensões do capital amealhado pela humanidade. Mas, além
disso, saúde mental diz da possibilidade da convivência com a estranheza, ou
melhor, de uma capacidade social de convivência com a estranheza o que
significa, sobretudo, a capacidade de dar um sentido, um significado social
para ela; que não seja apenas um objeto de dominação e satisfação mórbida do
cogito de poucos.
A História da Loucura na Idade Clássica, de Foucault, escrito há 50
anos, retrata exatamente esse esvaziamento de significado da loucura, ou seja,
em face da incapacidade de se conceber a estranheza como parte da razão humana,
movido pelo modelo cartesiano (penso logo sou!), todo aquele que não se
manifesta por meio da razão (do método) não pode ser conhecido no meio social,
uma vez que ele representa claramente a desrazão. Dessa forma, se ele não
pensa, dentro dos parâmetros estabelecidos, logo ele não existe.
A loucura e a estranheza no
percurso histórico da humanidade, até o alvorecer do iluminismo e o Discurso do
Método, se justificavam, se assentavam em valores muitas vezes sobrenaturais e,
dessa maneira, a referida estranheza era sobrevalorizada e tinha seu lugar no
universo social.
O iluminismo embora, de um lado
tenha reintroduzido a centralidade do ser humano para o pensamento e com isto
impulsionado a ciência, por outro, no que diz respeito à loucura, esvaziou-a de
qualquer significado, de qualquer valor humano. Lançou os “loucos” às trevas, à
escuridão. O louco de outrora carregado de poder sobrenatural e, portanto
respeitado de alguma forma, agora não existe, não é ninguém, restou definido
como doente e foi segregado para viabilizar o nascimento de uma ciência (a
ciência do alienista).
Desde então, a ciência que criou
e ao mesmo tempo nasceu das trevas de outros seres humanos, não conseguiu dar um
sentido social à loucura e tão pouco concebê-la como propriedade da condição
humana. Ora! Se ela é própria da condição humana ele pode e deve existir,
todavia, dar um sentido à loucura é aceitar a desrazão como forma de existir
contraria frontalmente o paradigma publicado em 1637 por Descartes.
Há muito a loucura dramática e
espetacular foi subtraída dos loucos, sua aparição pública (cenas) foram
proibidas; censuradas. Todavia, foram transferidas a outros personagens e
passaram a viver nas extravagâncias excêntricas dos chamados gênios das artes e
da ciência e mais recentemente, por exemplo, nas práticas de esportes radicais
e no comportamento de inúmeras celebridades.
Neles a loucura recebe todos os adjetivos que, de uma maneira ou outra,
outorgam sentido ás suas vidas. Aos verdadeiros loucos restou a loucura
crítica, aquela que, sem um meio termo, reduz e condena ao isolamento.
Fato é que, ainda hoje, em que
pese a vontade de uma parcela da sociedade de inscrever na carne uma nova ética
ocupacional da loucura, as orientações ofertadas nos equipamentos de atenção
psicossocial reforçam e reproduzem o esvaziamento de significado criado há
séculos, ou seja, se um familiar expressa uma visão sobrenatural em face do
espetáculo monumental que a loucura provoca, ele é estimulado, por vários “iluministas”
contemporâneos, a visá-lo como doente, portador da insuperável desrazão; ausência de sentido e desesperança.
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