quarta-feira, 6 de julho de 2011

Saúde Mental - razão ou desrazão?


Saúde Mental – segundo a Organização Mundial de Saúde é mais que a ausência de doença, uma vez que a saúde mental somente é alcançada, mesmo que parcialmente, com a presença dos determinantes das boas condições de saúde. Esses determinantes podem ser definidos, em apertada síntese, como aqueles bens econômicos e sócio-culturais que formam as várias dimensões do capital amealhado pela humanidade. Mas, além disso, saúde mental diz da possibilidade da convivência com a estranheza, ou melhor, de uma capacidade social de convivência com a estranheza o que significa, sobretudo, a capacidade de dar um sentido, um significado social para ela; que não seja apenas um objeto de dominação e satisfação mórbida do cogito de poucos.
A História da Loucura na Idade Clássica, de Foucault, escrito há 50 anos, retrata exatamente esse esvaziamento de significado da loucura, ou seja, em face da incapacidade de se conceber a estranheza como parte da razão humana, movido pelo modelo cartesiano (penso logo sou!), todo aquele que não se manifesta por meio da razão (do método) não pode ser conhecido no meio social, uma vez que ele representa claramente a desrazão. Dessa forma, se ele não pensa, dentro dos parâmetros estabelecidos, logo ele não existe.
A loucura e a estranheza no percurso histórico da humanidade, até o alvorecer do iluminismo e o Discurso do Método, se justificavam, se assentavam em valores muitas vezes sobrenaturais e, dessa maneira, a referida estranheza era sobrevalorizada e tinha seu lugar no universo social.
O iluminismo embora, de um lado tenha reintroduzido a centralidade do ser humano para o pensamento e com isto impulsionado a ciência, por outro, no que diz respeito à loucura, esvaziou-a de qualquer significado, de qualquer valor humano. Lançou os “loucos” às trevas, à escuridão. O louco de outrora carregado de poder sobrenatural e, portanto respeitado de alguma forma, agora não existe, não é ninguém, restou definido como doente e foi segregado para viabilizar o nascimento de uma ciência (a ciência do alienista).
Desde então, a ciência que criou e ao mesmo tempo nasceu das trevas de outros seres humanos, não conseguiu dar um sentido social à loucura e tão pouco concebê-la como propriedade da condição humana. Ora! Se ela é própria da condição humana ele pode e deve existir, todavia, dar um sentido à loucura é aceitar a desrazão como forma de existir contraria frontalmente o paradigma publicado em 1637 por Descartes.
Há muito a loucura dramática e espetacular foi subtraída dos loucos, sua aparição pública (cenas) foram proibidas; censuradas. Todavia, foram transferidas a outros personagens e passaram a viver nas extravagâncias excêntricas dos chamados gênios das artes e da ciência e mais recentemente, por exemplo, nas práticas de esportes radicais e no comportamento de inúmeras celebridades.   Neles a loucura recebe todos os adjetivos que, de uma maneira ou outra, outorgam sentido ás suas vidas. Aos verdadeiros loucos restou a loucura crítica, aquela que, sem um meio termo, reduz e condena ao isolamento.
Fato é que, ainda hoje, em que pese a vontade de uma parcela da sociedade de inscrever na carne uma nova ética ocupacional da loucura, as orientações ofertadas nos equipamentos de atenção psicossocial reforçam e reproduzem o esvaziamento de significado criado há séculos, ou seja, se um familiar expressa uma visão sobrenatural em face do espetáculo monumental que a loucura provoca, ele é estimulado, por vários “iluministas” contemporâneos, a visá-lo como doente, portador da insuperável desrazão;  ausência de sentido e desesperança.